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VENHA VER O PÔR DO SOL Lygia Fagundes Telles FINAL

 Falava agora consigo mesmo, doce e gravemente. - Não é que fosse bonita, mas os olhos... Venha ver, Raquel, é impressionante como tinha olhos iguais aos seus. Ela desceu a escada, encolhendo-se para não esbarrar em nada. - Que frio faz aqui. E que escuro, não estou enxergando ! Acendendo outro fósforo, ele ofereceu-o à companheira. - Pegue, dá para ver muito bem... - Afastou-se para o lado. - Repare nos olhos. Mas está tão desbotado, mal se vê que é uma moça... - Antes da chama se apagar, aproximou-a da inscrição feita na pedra. Leu em voz alta, lentamente. - Maria Emília, nascida em vinte de maio de mil e oitocentos e falecida... - Deixou cair o palito e ficou um instante imóvel. - Mas esta não podia ser sua namorada, morreu há mais de cem anos ! Seu menti... Um baque metálico decepou-lhe a palavra pelo meio. Olhou em redor. A peça estava deserta. Voltou o olhar para a escada. No topo, Ricardo a observava por detrás da portinhola fechada. Tinha seu sorriso – meio inocente, meio malic

VENHA VER O PÔR DO SOL Lygia Fagundes Telles PARTE 2

  - Ele é tão rico assim? - Riquíssimo. Vai me levar agora numa viagem fabulosa até o Oriente. Já ouviu falar no Oriente? Vamos até o Oriente, meu caro... Ele apanhou um pedregulho e fechou-o na mão. A pequenina rede de rugas voltou a se estender em redor dos seus olhos. A fisionomia, tão aberta e lisa, repentinamente escureceu, envelhecida. Mas logo o sorriso reapareceu e as rugazinhas sumiram. - Eu também te levei um dia para passear de barco, lembra? Recostando a cabeça no ombro do homem, ela retardou o passo. - Sabe, Ricardo, acho que você é mesmo meio tantã... Mas apesar de tudo, tenho às vezes saudade daquele tempo. Que ano aquele! Quando penso, não entendo como agüentei tanto, imagine, um ano! - É que você tinha lido A Dama das Camélias, ficou assim toda frágil, toda sentimental. E agora? Que romance você está lendo agora? - Nenhum - respondeu ela, franzindo os lábios. Deteve-se para ler a inscrição de uma laje despedaçada: minha querida esposa, eternas saudades - leu em voz bai

VENHA VER O PÔR DO SOL Lygia Fagundes Telles PARTE 1

 Ela subiu sem pressa a tortuosa ladeira. À medida que avançava, as casas iam rareando, modestas casas espalhadas sem simetria e ilhadas em terrenos baldios. No meio da rua sem calçamento, coberta aqui e ali por um mato rasteiro, algumas crianças brincavam de roda. A débil cantiga infantil era a única nota viva na quietude da tarde. Ele a esperava encostado a uma árvore. Esguio e magro, metido num largo blusão azul-marinho, cabelos crescidos e desalinhados, tinha um jeito jovial de estudante. - Minha querida Raquel. Ela encarou-o, séria. E olhou para os próprios sapatos. - Veja que lama. Só mesmo você inventaria um encontro num lugar destes. Que idéia, Ricardo, que idéia! Tive que descer do táxi lá longe, jamais ele chegaria aqui em cima. Ele riu entre malicioso e ingênuo. - Jamais? Pensei que viesse vestida esportivamente e agora me aparece nessa elegância! Quando você andava comigo, usava uns sapatões de sete léguas, lembra? Foi para me dizer isso que você me fez subir até aqui? - pe

Relato sobrenatural

Esse relato é baseado em fatos reais  Não sei por onde começar essa história, e ntão cheguei a breve conclusão que nada melhor do que o início onde tudo começou, nunca me senti encaixada na sociedade, e nem em lugar algum. Cresci ouvindo da boca de todos que era louca, dissimulada entre outros adjetivos que não vale a pena comentar aqui, durante 33 anos minha vida nunca fez sentido, sempre vivi em uma espécie de montanha russa onde os sentimentos variavam entre alegria, e depressão.  Foi preciso quase perder o meu irmão caçula de Covid 19 para a reviravolta acontecer, após a saída dele da UTI comecei a sentir que já não fazia mais parte desse mundo, as pessoas falavam comigo e eu ouvia as vozes delas porém não compreendia  era preciso falar diversas vezes para me tirar do  transe que durou cerca de uma semana. Logo após veio a fase da energia onde eu não dormi por quatro noites seguidas, e em uma dessas noites não aguentando mais a falta de sono me ajoelhei no chão, e conversei com Deu

Poema

Algum dia você não vai mais precisar de amor. Algum dia você não vai mais andar pelo mundo como se fosse trabalho seu suportar tudo. O sol, a escuridão da noite, o momento secreto em que você acorda ao som de batidas, se levanta pra abrir a porta mas ele não está lá porque o som vem de dentro de você e você não pode atender não importa o quanto se adentre, você o amava da forma como crianças frágeis amam agressores  você escreveu poemas sobre ele,  você ainda escreve poemas sobre ele,  e você está escrevendo um agora mesmo.